sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Histórico da manifestação estudantil do dia 12 de março de 2010, na reitoria da Universidade Federal de Uberlândia.

O debate sobre a utilização dos espaços físicos na UFU e o consumo e venda de bebidas alcoólicas na mesma não é recente. O mesmo já acontece desde o final do ano de 2009 e no dia 6 de novembro foi pauta da reunião do Conselho Diretor, a pedido do pró-reitor de extensão, cultura e assuntos estudantis, Prof. Alberto Martins, a que fosse incluso na pauta como seguinte matéria: “Deliberação sobre ações de caráter educativo e preventivo, referente à comercialização e consumo de bebidas alcoólicas nos campi da Universidade Federal de Uberlândia”. Tal debate foi motivação para a manifestação que levou aproximadamente 370 estudantes a ocuparem a sala de reuniões da reitoria da UFU.

O movimento estudantil (Centros e Diretórios Acadêmicos, coletivos independentes, Diretório Central dos Estudantes e estudantes de vários cursos) se organizou e debateu sobre a matéria posta, porém, na reunião do conselho diretor do dia 4 de dezembro de 2009, a mesma foi alterada para “Utilização de espaço físico da Universidade Federal de Uberlândia para promoção de eventos artísticos, científicos, culturais, esportivos, de lazer e sindicais”. Apesar de tal alteração, o teor da discussão continuou sendo o mesmo: a normatização dos espaços de integração e atividades culturais e o consumo e a venda de bebidas alcoólicas nos eventos realizados nos espaços da universidade.

A relatoria do processo foi dada a professora Margarete Arroyo, que fez um detalhado estudo sobre a questão e em seu parecer propôs uma resolução que viesse a substituir a resolução vigente que trata da utilização dos espaços da UFU, a fim de solucionar as problemáticas sobre o assunto, como a venda de bebidas a menores, depredação do patrimônio público, brigas, falta de segurança nas festas, dentre outros. Porém, o que foi proposto pela relatora demonstrou-se impreciso, não atendendo as expectativas do conselho para que fosse solucionada essa discussão.

Foi recomendado pelo conselho à relatora, que fizesse mais um estudo sobre a questão, para que em posterior reunião do conselho, no semestre seguinte, a saber, dia 12 março, fosse apresentada uma nova proposta de resolução que realmente abarcasse soluções práticas para o assunto.

No decorrer de tempo entre as reuniões do Conselho Diretor, os estudantes, preocupados em contribuir para o debate e apresentar suas avaliações ao Conselho, se organizaram a fim de refletir e amadurecer propostas sobre o assunto, principalmente porque desde que a gestão atual assumiu, há um grande descontentamento em relação aos meios limitados e antidemocráticos. A UFU tem decidido questões de interesse da comunidade acadêmica apoiando-se em argumentos, vontades e posicionamentos individuais que deixam pouco espaço para os estudantes se manifestarem, de maneira que fora do conselho o debate não acontece, exceto pelas iniciativas do movimento estudantil que pauta as discussões em reuniões, assembléias gerais e conselhos de diretórios e centros acadêmicos, consciente do risco de ser tomada uma decisão no conselho, sem um debate aprofundado realmente ocorrer na universidade.

Diante de tal situação, o movimento estudantil realizou a inclusão deste ponto de pauta nos conselhos entre o Diretório Central dos Estudantes - DCE e os Diretórios e Centros Acadêmicos dos cursos assim como a convocação de assembléias estudantis (assim como é previsto no estatuto do Diretório enquanto entidade de representação estudantil). Foram discutidas alternativas para o debate aberto à comunidade acadêmica e para resoluções que tratassem das problemáticas envolvidas na normatização da utilização dos espaços físicos da UFU e do consumo, comercialização e porte de bebidas alcoólicas na UFU. As assembléias gerais foram realizadas nas datas de 2 de dezembro de 2009 e 8 de março de 2010.

Na assembléia do dia 8 de março, os estudantes presentes decidiram que seria realizada uma manifestação artístico-política, denominada “É proibido proibir”, em frente à reitoria da universidade no dia da reunião do conselho diretor. Este seria o momento em que os estudantes reivindicariam o direito de serem ouvidos, de participar do debate e de fazer seus eventos artístico-culturais dentro do espaço da universidade, com o direito ao consumo de bebidas alcoólicas, compreendendo as problemáticas geradas pelo consumo excessivo de álcool e propondo atos conjuntos com a reitoria para o consumo consciente. Sobre esta proposta, os estudantes, assim como parte da comunidade acadêmica, não se sentiram á vontade para encaminhá-la, pois havia pouca discussão acerca da questão, já que esta não foi aberta à comunidade acadêmica pela reitoria, bem como outras como a expulsão dos cursinhos populares da Universidade, a terceirização do Restaurante Universitário (feita durante as férias), a negação a pautar a discussão da paridade nos conselhos, a abertura do campus de Monte Carmelo e de Patos de Minas, dentre outros.

No dia 12 de março de 2010, ocorreu a reunião do conselho diretor onde deveria ser discutida a matéria sobre “Utilização de espaço físico da Universidade Federal de Uberlândia para promoção de eventos artísticos, científicos, culturais, esportivos, de lazer e sindicais”, porém a relatora Margarete Arroyo foi afastada do seu cargo e já não era mais conselheira. Ainda assim, devidos aos problemas que vinham ocorrendo na Universidade, relacionados à questão (inclusive pedidos de resposta à administração por parte do Ministério Público), os estudantes viram a necessidade de ser mantida a matéria como ponto de pauta na reunião do conselho. Os representantes discentes fizeram tal solicitação ao conselho argumentando que os estudantes queriam colocar argumentos sobre o debate e que relatoria do processo fosse concedida a nós, devido aos esforços que vinham movendo sobre o assunto. Tal pedido, porém, foi negado.

Enquanto a reunião do conselho acontecia, a manifestação “É proibido proibir” também ocorria na porta da reitoria. Devido a negação do pedido de inclusão de pauta feito pelos representantes discentes, o movimento estudantil repassou aos representantes que fosse solicitado ao conselho que uma comissão de oito estudantes subisse ao conselho a fim de expor as reivindicações daquela manifestação. Tal solicitação também foi negada.

Diante disto, os estudantes notaram que seus esforços para o diálogo com os representantes não seriam atendidos. Neste ponto é importante ressaltar que estava em questão, não somente o direito de realizar confraternizações nos espaços da Universidade aliado ao trabalho para o consumo consciente de bebidas alcoólicas, mas também reivindicações como a ampliação do restaurante universitário (as filas chegam a durar quarenta minutos), uma expansão universitária com qualidade (o campus em Ituiutaba foi aberto sem a menor estrutura, comprometendo o investimento público em educação e formação de qualidade), maior democracia na universidade (paridade em conselhos e colegiados), entre outras. Assim, os aproximadamente 370 estudantes presentes decidiram por unanimidade, em assembléia, que a solução para colocar suas reivindicações perante a administração da universidade seria ocupar a reunião do conselho diretor.

A porta principal de acesso à reitoria estava fechada e vigiada por seguranças patrimoniais armados com cassetetes e armas, assim a alternativa que os estudantes encontraram para entrar no prédio, sem confronto ou prejuízo ao patrimônio público, foi a mesma utilizada na ocupação da reunião de Conselho Universitário que aprovou a construção da Moradia Estudantil, escalar o muro externo de tijolos vazados Os primeiros estudantes que entraram na reitoria contornaram o saguão e abriram a porta principal permitindo a entrada de outros, de maneira que todos tivessem acesso a sala de reuniões, localizada no último andar da reitoria. Aos gritos de “É proibido proibir” e “Das ruas das praças quem disse que sumiu? Aqui está presente o Movimento Estudantil”, os estudantes ocuparam a sala de reuniões do conselho, e abriram com o auxílio dos seguranças as portas. Neste momento o reitor Sr. Alfredo declarou a reunião como encerrada e indicou sua retirada e a dos demais conselheiros da sala.

Os estudantes eufóricos disseram em coro “ditador!”. Ao mesmo tempo uma comissão de estudantes de vários cursos, em tentativa de realizar uma reunião em que as questões em pauta fossem debatidas com a comunidade acadêmica, conversava com o vice-reitor, que se limitava a ficar absolutamente calado e olhando para frente e para cima.

Após aproximadamente trinta e cinco minutos de agitação e gritos dos estudantes de “ei! Reitor! Come no R.U.!” e várias falas de técnicos e professores em defesa da permanência dos estudantes na sala pelos conselheiros, o reitor, pressionado por seus colegas, pelo vice-reitor, pela mídia e pela presença da grande quantidade de estudantes, aceitou a reunião. Neste meio tempo, vários estudantes se encontravam em volta da mesa principal, ansiosos pela resposta do reitor, e em determinado momento, após algumas tentativas frustradas de diálogo, ele tencionou sair e a segurança patrimonial transformou-se em escolta armada (com cassetetes e armas) iniciando um “empurra-empurra” para cima dos estudantes, a fim de forçar a abertura de caminho e possibilitar a passagem do reitor e do vice-reitor. Devido ao grande tumulto gerado onde se localizava uma das portas do conselho, esta acabou estourando com a pressão. Felizmente não havia ninguém próximo o bastante ao lado de fora para se machucar. Os seguranças só pararam com as tentativas de agressões aos estudantes quando uma estudante alertou o reitor a respeito de que várias pessoas poderiam se machucar caso a truculência se espalhasse pela sala.

As coisas foram se acalmando e, deste momento em diante, o Movimento Estudantil assumiu a mesa da reunião junto à reitoria e se organizou em plenária que seguiu aproximadamente pelas horas seguintes, tendo todos a oportunidade de falar diretamente com a administração da UFU e pautar as reivindicações.
Durante todo o ocorrido, em momento algum, as portas da reitoria foram fechadas ou pessoas foram impedidas de sair. O que ocorreu foi os aproximadamente 250 estudantes que permaneceram até o final da plenária terem a oportunidade de construir, pela primeira vez, um debate construtivo e encaminhativo com a reitoria, a fim de propor projetos para melhorias na UFU.

A imprensa (Rede Integração, Tv Paranaíba, Tv Universitária, Rede Record e Rádio Universitária), por um chamado do próprio movimento estudantil, acompanhou todas as discussões realizadas, inclusive entrevistando estudantes no decorrer das manifestações. O resultado, porém, que pudemos conferir nos dias que seguiram, foram reportagens distorcidas que denegriam a imagem do movimento e a construção política que fizemos ao longo de todos estes meses, em um discurso que nos chamou, sem o mínimo de ética, de “bandidos”, “baderneiros”, “bêbados“,“filhos de papai”, dentre outras ofensivas. A Rede Integração, por exemplo, filmou galões de água e divulgou a imagem como sendo galões de cachaça na porta da reitoria. Todas as emissoras que trataram do assunto, abordaram de forma a deslegitimar e desmoralizar as ações dos estudantes enquanto movimento, limitando o ato político a simples reivindicação de livre consumo de bebidas nas dependências da universidade.

A manifestação se caracterizou como política-cultural e em seu início várias bandas da cidade e da universidade que utilizam os espaços da UFU para promoverem seus trabalhos, estiveram presentes tocando músicas e palavras de protesto pela atual situação antidemocrática que a administração da UFU tem apresentado.

As assembléias estudantis deliberaram claramente para ordenar a manifestação, o não consumo de bebidas alcoólicas, uma vez que a imagem de um consumo desenfreado não contempla nossas discussões. Porém, mais ou menos dois grupos de estudantes que não compareceram às reuniões e somente à manifestação levaram bebidas e foram alertados, de maneira que o Movimento Estudantil organizado não se responsabiliza pelas atitudes individuais e impensadas de alguns estudantes.

O que propusemos ao reitor como encaminhamento desta ocupação foi a realização de uma Assembléia Universitária pelas três categorias do corpo acadêmico (professores, técnicos e estudantes) representados na manifestação. O reitor concordou com todas as deliberações da plenária da ocupação, porém recusou-se a assinar a ata final dizendo que estava pedindo um voto de confiança dos estudantes que, por sua vez, em respeito ao corpo administrativo, não o pressionou.

Os fatos que se seguiram até os dias de hoje, causam grande decepção e descontentamento para a comunidade da UFU. A assembléia Universitária foi realizada após 22 anos por duas vezes, porém, o vice-reitor apareceu na primeira somente para dizer que não reconhecia tal espaço e, portanto, não permaneceria nele.

O reitor apareceu diversas vezes nos canais de televisão que deram cobertura à manifestação, porém, apresentando os fatos sob a perspectiva de seus interesses. Em momento algum os estudantes foram chamados a se pronunciar, muito pelo contrário. O mesmo, além de utilizar elementos de nosso debate na manifestação (sobre a necessidade do trabalho de conscientização do consumo de bebidas, pois entendemos que a Universidade se compõe como parte da sociedade incluindo assim suas problemáticas), para se apresentar nas entrevistas, deixou de se pronunciar enquanto a imagem dos estudantes e da própria instituição era denegrida pela mídia para a comunidade externa, de maneira que o foco das reivindicações foi distorcido completamente de seu caráter inicial.

Desde então a vigilância da segurança patrimonial se intensificou nos campi da UFU. A energia das festas misteriosamente cai à meia-noite mesmo quando o alvará da Prefeitura Universitária é concedido até uma e meia da madrugada. Estudantes estão sendo abordados sem motivos consideráveis e tendo seus materiais revistados pelos seguranças, além de serem acusados, sem provas, de consumirem drogas. Os horários de funcionamento e trabalho nos blocos também não são respeitados e há a abordagem dos seguranças no sentido de questionar o que se está fazendo e com a autorização de quem.

Há alguns meses atrás alguns estudantes estavam distribuindo panfletos a respeito das condições do Restaurante Universitário e foram abordados pelos seguranças da UFU que disseram que não era permitida panfletagem dentro do campus, de maneira que os estudantes foram parar na sala do setor de vigilância do campus. Estes exemplos deixam claras as medidas as quais esta gestão administrativa da UFU tem adotado para atingir seus interesses.

O Movimento Estudantil, em seu todo, preza pela democracia e pela liberdade de expressão, consciente de que a Universidade é o último espaço em que práticas opressoras devem ser legitimadas, ainda mais por um corpo administrativo de educadores. Entendemos que os interesses públicos e a boa gestão da Universidade, devem se pautar antes de qualquer outro interesse de cunho individual ou em favor de minorias privilegiadas. Nesse sentido, os estudantes se organizam a fim de garantir sua manifestação, em todos os momentos que julguem necessários, principalmente quando não são ouvidos enquanto têm muito a contribuir.

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